A poética mitológica do fogo – por Marquelino Santana

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Talvez o tição de fogo subtraído do veado velho por Beud (irmão de Nambu e Antoinká) – povo indígena Macurap – acabasse com a grande friagem que sacrificava o seu povo. A bela narrativa de Buraini Andere Macurap – In: “Terra Grávida” de Betty Mindlin e narradores indígenas – demonstra que Beud, irmão mais novo do Deus Nambu, não tivesse agido da forma mais correta, mesmo tentando salvar a sua família do frio degradante. Beud ao roubar o tição de fogo do veado velho, Buraini nos conta que Beud para poder atravessar o rio, teria transformado o tição de fogo num calango, mas ao chegar à aldeia foi duramente repreendido pelo irmão Nambu que imediatamente apagou o fogo do tição, e através de dois fechos de paus criou o fogo próprio do povo Macurap sem precisar fazer mal a ninguém.
 
Talvez o pássaro pica-pau vermelho – dono do fogo – tenha se distraído e facilitado a fuga do fogo pela sabedoria de Kawewé e Karupschi. Nessa original e notável narrativa de Eroné Jabuti, os dois planejaram uma forma de levar o fogo do pica-pau para ajudar na sobrevivência de seu povo. Eroné narra que Kawewé virou-se numa abelha, enquanto que Karupschi se transformou numa formiga. A abelha entrou no olho do pica-pau, e a formiga o mordeu, enquanto isso Kawewé roubou o machado dele, e Karupschi roubou o fogo. Finalmente o fogo foi distribuído a todo povo Jabuti, e assim, eles puderam comer carne assada e também diversas outras comidas na maloca.
 
Talvez o céu tivesse caído e se destruído para sempre, se dependesse da maldade do diabo Kupekarantô. Em sua narrativa, Galib Pororoca Gurib Ajuru – tradução de Marina Jabuti e Sérgio Ajuru – nos conta que o céu já havia caído três vezes e matado muita gente, e que Kupekarantô (diabo) queria derrubar o quarto céu para acabar com o mundo. Ele era o dono do fogo, e segundo Galib Ajuru, ele possuía fogo nas mãos, no nariz e nos pés, mas graças a intervenção dos irmãos Xtarontin e Wakowereb, o diabo não conseguiu derrubar o céu. Os dois irmãos se transformaram numa grande mutuca que entrou na venta de Kupekarantô e chupou todo o seu sangue, levando-o à morte. O dono do fogo foi destruído, e o céu foi salvo para sempre.
 
Talvez o homem branco contemporâneo aprenda com os narradores indígenas – livro Terra Grávida – e decidam apropriar-se do bem, lutando contra o fogo degradante que insiste em destruir a Amazônia. Talvez...
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