PROJETO DIVERSIDADE DO GENOMA HUMANO E PROJETO SIMONS DE DIVERSIDADE GENÔMICA
Kelly Nunes†, Marcos Araújo Castro e Silva†, Maíra R. Rodrigues†, Renan Barbosa Lemes†, Patricio Pezo-Valderrama, Lilian Kimura, Lucas Schenatto de Sena, José Eduardo Krieger, Margareth Catoia Varela, Luiz Otávio de Azevedo, Luis Marcelo Aranha Camargo (colaborador CEPEM/SESAU e USP/RO), Ricardo G. M. Ferreira, Henrique Krieger, Maria Cátira Bortolini, José Geraldo Mill, Putira Sacuena, João F. Guerreiro, Celia M. B. de Souza, Francisco V. Veronese, Fernanda S. L. Vianna, David Comas, Alexandre C. Pereira*, Lygia V. Pereira*, Tábita Hünemeier (Autora Principal)
Intituições envolvidas: 9 brasileiras e 4 estrangeiras
1-Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brazil. 2-Instituto de Biologia Evolutiva, Departament de Medicina i Ciències de la Vida, Universitat Pompeu Fabra, Barcelona, Spain. 3-Institut de Biologia Evolutiva, CSIC–Universitat Pompeu Fabra, Barcelona, Spain. 4-Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brazil. 5-Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brazil. 6- Fundação Oswaldo Cruz, Unidade Rondônia, Porto Velho, RO, Brazil. 7-Instituto de Ciências Biomédicas 5 , Universidade de São Paulo, Monte Negro, Rondônia, Brazil. 8-Departamento de Genética, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brazil. 9-Departamento de Fisiologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brazil. 10-Laboratório de Genética Humana e Médica, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brazil. 11-Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brazil. 12-Department of Genetics, Harvard Medical School, Boston, MA, USA. 13- CEPEM/SESAU-RO
INTRODUÇÃO: O processo de colonização trouxe aproximadamente 5 milhões de europeus para o Brasil, juntamente com a migração forçada de pelo menos 5 milhões de africanos e a dizimação de populações indígenas, que já incluíram > 10 milhões de pessoas que falavam mais de 1.000 línguas em 1.500. Essa interação histórica distinta moldou uma população de diversidade genética impressionante. No entanto a população brasileira permanece notavelmente sub-representada na pesquisa genômica mundial, onde há uma carência de estudos que investiguem os efeitos da miscigenação dessa população em sua evolução, diversidade e estado de saúde.
JUSTIFICATIVA: Para preencher essas lacunas, estudamos sequências de DNA de 2723 indivíduos da população brasileira, abrangendo comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas de todas as cinco macrorregiões do Brasil. Este conjunto de dados reflete um grupo diversificado de origens étnicas, incluindo afro-brasileiros e descendentes de povos indígenas, e fornece uma representação abrangente da diversidade genômica brasileira. Nossa pesquisa destaca as implicações evolutivas e de saúde da mistura, com foco na dinâmica histórica e demográfica que moldou os genomas brasileiros. Nossos resultados contribuem para uma compreensão mais profunda de como padrões de mistura resultantes de uma intrincada história evolutiva podem afetar a saúde de uma população miscigenada.
RESULTADOS: Identificamos > 8 milhões de variantes anteriormente desconhecidas. Também mostramos que a população brasileira é uma diversidade genômica muito rica. Um estudo abrangente de 2.723 sequências DNA (indivíduos) de diversas regiões brasileiras revela >8 milhões de variantes de nucleotídeo único (específicos de brasileiros,) recém-identificadas, destacando a diversidade genômica pronunciada do Brasil, moldada pela seleção natural, acasalamento ao acaso e pulsos de mistura contínua desde 1500. Esses achados ressaltam a influência das origens ancestrais na saúde e no perfil genético da população brasileira, enraizada na história indígena e nas diversas ondas de imigração O pico da mistura genética ocorreu nos séculos 18 e 19. Eventos de mistura múltiplos ou contínuos entre fontes parentais indígenas americanas, africanas e europeias formaram populações genuinamente brasileiras.
Identificamos também que um forte padrão de acasalamentos seletivos emergiu mais recentemente na população brasileira, independentemente da região estudada. Esses padrões revelam tanto a dinâmica violenta da colonização europeia quanto as marcas duradouras desse processo na América do Sul contemporânea.
Dentro da extensa diversidade encontrada no Brasil, regiões genômicas ancestrais originárias de diferentes populações estão distribuídas de forma desigual entre as regiões brasileiras e os recortes históricos do Brasil. Essa distribuição demonstra o impacto duradouro das centenas de etnias que chegaram ao país por meio de milhões de europeus e africanos em diferentes momentos, misturando-se e substituindo a população indígena original.
Além disso, nosso estudo identifica vários genes candidatos que foram submetidos à seleção antes e depois do contato na população brasileira miscigenada. Esses genes estão associados principalmente a taxas de fertilidade elevadas, resposta imune e características metabólicas distintas. Foram 815 genes associados diretamente (214) ou indiretamente (601) a doenças infecciosas, especificamente malária, hepatite, influenza (gripe), tuberculose, salmonelose (diarreia) e leishmaniose. Classificamos genes diretamente como associados como aqueles com função específica com resposta imune, gravidade do desfecho ou suscetibilidade a infecções. Essas doenças impõem uma carga considerável à população brasileira e estão associadas a altas taxas de mortalidade no país.
Nesse sentido, esse cenário de variantes genéticas pode lançar luz sobre a diversidade genética da população brasileira e tem implicações potenciais para a suscetibilidade a doenças, uma vez que as doenças metabólicas e infecciosas são as principais preocupações da saúde pública brasileira na atualidade, em especial a primeira.
CONCLUSÃO: Nossos achados ressaltam a influência perceptível de diferentes origens ancestrais na saúde e na composição genética de indivíduos brasileiros miscigenados. Mostramos que essa paisagem genética encontra suas raízes na história evolutiva das comunidades indígenas brasileiras e na intrincada interação demográfica decorrente da imigração histórica coagida e voluntária para o Brasil.
Aponta ainda para a seleção genética de DNA que pode proteger ou tronar os brasileiros mais propenso a algumas doenças, fato importante para a tomada de ações no âmbito da saúde pública.
Neste fantástico estudo, mérito de toda a equipe, em especial da Dra. Tábita Hünemeier (líder da equipe), então na UFRGS, esteve comigo em Monte Negro, Rondônia, por volta de 2016. Com a devida autorização do paciente e do comitê de ética, aplicávamos um questionário, tirávamos fotos (para observar características morfológicas), colhíamos uma amostra pequena de sangue e de esfregaço da boca (onde também tem DNA) para realizar o estudo dos pacientes de Rondônia. A Dra Tábita e equipe continuou sua peregrinação pelo Brasil afora.
Durante o estudo, eu mesmo me submeti ao exame de DNA e tive o enorme prazer em saber que meu DNA é genuinamente brasileiro: 70% europeu (meu pai de origem alemã), 20% negro e 10 % índio (da minha mãe, cuja família remonta de 1595 de Porto Feliz, interior de São Paulo, onde provavelmente houve a miscigenação). Minha esposa é 90% europeia (Itália) e 10% negra, com muito orgulho. Meus filhos, uma mistura saudável de tudo isso....