Não escrevi até agora, desde que cheguei em Porto Velho, para meu discurso não ser tomado pela emoção e pelas impressões momentâneas inerentes a todas as grandes mudanças e novidades.
Agora, posso retomar a lembrança de Florianópolis, onde dentro do carro ainda cogitava a possibilidade de perder o aéreo.
Despedir-me do que me é caro doeu. Ao entrar na sala de espera pedi um café, pois quem me conhece sabe que o café tem a grande capacidade de me acalmar. Sendo bem servido.
A dor continuou.
De Florianópolis a Porto Velho sempre existem escalas.
Em São Paulo encontrei Jesus Cristo, encarnado em INRI Cristo, que descansava em um banco do aeroporto com um pano branco sobre a face, uma versão contemporânea do Santo Sudário, porém com a finalidade oposta do que está em Turim. Ali Ele queria evitar a mídia. (Publico a foto para dar crédito ao fato, porém não esqueçamos que em multimedia tudo é possível. Neste caso, sim, era Cristo: o INRI.) Até onde sei, no Cristianismo o altruísmo é a tônica, mas o único vôo a decolar no horário certo foi o dele, todos os outros atrasaram, inclusive o meu.
Em Cuiabá conheci o calor da noite. Bafo quente. Suor pesado. Foram dez minutos, somente para trocar de aeronave. Foi uma saudação breve do que estaria por vir. Na aeronave digo para a moça ao meu lado que o comissário errou a hora ao dar suas informações de rotina. Ela me recorda que estamos em outro fuso horário. Novamente o fuso na minha vida. E agora no mesmo país. Por enquanto, engraçado.
Enquanto pensava nessa situação cômica de ver a programação da Globo em horário diferente, olhei para fora. No céu límpido uma Lua Gibosa e o chão era breu, sem uma única lâmpada ou fogueira a ser avistada. A Gibosa ilumina o céu, mas não os mistérios da Amazônia. Neste momento respeitei a grandiosidade desse ser e fui chamado à atenção a minha jornada. Minha primeira grande emoção amazônica, no chão privado de luz os mistérios e no céu o chamado da deusa: senti-me um iniciado. Talvez minha bisavó índia estivesse ali, voando comigo.
Cristo com certeza já havia chegado em Brasília.
O breu continuou por muito tempo, o qual não consigo precisar pois perdi-me naquela escuridão, até o momento em que tive a sensação de algo grande, lento e lânguido que se movia abaixo da aeronave: era a Cobra-Grande Sinhô! Foi a primeira sensação até meus sentidos permitirem perceber que não era a Jibóia e sim a Gibosa, que se esgueirava pelo leito de um rio, o qual concluí ser o imponente Rio Madeira.
Assim fui recebido em Porto Velho.
* Professor do Departamento de Ciência da Informação/Curso de Biblioteconomia da UNIR. Especialista em gestão, conservação e restauro de audiovisual. Neófito em Amazônia e apaixonado por açaí.