Rondoniaovivo ouviu leitores denunciantes que reclamaram sobre a obrigatoriedade de realização de serviço notarial e registral no cartório marítimo de Porto Velho (RO). A questão parece banal, mas tem afetado a vida de vários moradores do interior do estado, que não têm fácil acesso ao Cartório Assis Barros, localizado no centro da capital. Para realizar a transferência de pequenas embarcações - antes um processo simples e feito em qualquer tabelionato - os interessados precisam obrigatoriamente realizar o processo presencialmente no Assis Barros, seja pessoalmente ou por meio de procuração.
A reportagem ouviu dois despachantes marítimos e um pescador, além de ter entrado em contato com o próprio Cartório Assis Barros e a comunicação do Tribunal de Justiça de Rondônia. A denúncia aqui reclamada remonta a um problema recorrente na vida de todos os brasileiros: burocracia exagerada que dificulta a vida do cidadão, ao contrário de facilitá-la. “Imagine só: hoje você pode comprar uma Ferrari avaliada em milhões e facilmente registrar a propriedade pelo sistema digital do
Detran. Mas, quando quiser registrar a propriedade de qualquer embarcação - voadeira ou barquinho - precisa realizar o processo presencialmente em Porto Velho, mesmo sendo do extremo interior do estado”, disse A.S., despachante náutico de
Vilhena, município localizado a 700 km da capital.
O 1º Cartório Marítimo do estado de Rondônia foi instalado em 19 de agosto de 2024, pela Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), com atribuição para atender todo o Estado de Rondônia em serviços de lavratura de escrituras e procurações públicas relativas às transações de embarcações, reconhecimento de firmas, registro de contratos marítimos, expedição de traslados e certidões e outros. A ideia, de acordo com o desembargador Gilberto Barbosa, representa um ‘avanço jurídico’ e é ‘um passo importante para o comércio, turismo, as atividades ligadas à pesca e ao transporte fluvial’. Na realidade, dificulta todas as atividades tomadas no interior do estado que precisam dos
serviços notariais marítimos.
O Rondoniaovivo procurou a Corregedoria do TJ/RO via e-mail, questionando a decisão do cartório marítimo. O jornal aguarda a resposta e mantém este espaço aberto para o posicionamento oficial.
Lonjuras e distâncias
“No Brasil inteiro, de acordo com o site da Marinha do Brasil, apenas três cartórios marítimos são exclusivos e exigem obrigatoriedade para este tipo de serviço - no Maranhão, no Rio de Janeiro e no Pará. Para quem vive e trabalha em Porto Velho, como eu, não é tão difícil acessar o serviço. Mas e para uma pessoa do interior, que está longe da capital. Como fica?”, pontuou Jennifer Santos, despachante náutica. Quem não vive em Porto Velho pode fazer uma procuração simples para passar poderes de representação jurídica para que alguém realize os serviços pessoalmente.
Isto pode ser feito digital e facilmente, pela plataforma GOV.BR. A procuração é apresentada como solução da distância pelo próprio Cartório Assis Barros, mas é um artifício que desconsidera a inacessibilidade de grande parte da população à serviços de procuradoria. “Um ribeirinho, um morador do interior, uma pessoa leiga, dificilmente vai conseguir realizar uma procuração simples pelo portal do GOV. É um processo feito em 15 minutos, mas muitos não têm paciência ou habilidade para fazer o cadastro”
A titular do cartório Assis Barros, Patrícia Assis Barros,
explicou que antes da instalação, pessoas que precisavam resolver transações referentes a mercadoria, transporte ou afretamento tinham que recorrer a estados vizinhos, como Amazonas e Mato Grosso para obter registros e lavrarem escrituras. Ela disse: “O mais importante é saber que agora a população de Rondônia terá acesso a esses serviços no cartório marítimo do próprio Estado”.
J.D.S, pescador de Pimenta Bueno, faz parte da ‘população de Rondônia’ e discorda da burocracia. Recentemente, ele procurou os trâmites legais para transferir uma pequena embarcação de 150kg. Se deparou com as dificuldades notariais, de distância e das procurações. Ouvido por Rondoniaovivo sobre a situação, ele admitiu: “Prefiro me manter na irregularidade”.