O sol poente se estende no limiar do horizonte. A paisagem desértica, com as sombras das montanhas ao longe, transmite cansaço: os ombros arqueados, o cavalo que
ele monta arrasta os cascos sobre a areia e as pedras do tortuoso caminho até a cidade mais próxima.
O vento sibila, e a poeira se levanta com os lufares de ar que cortam o entorno do velho homem, com seu rifle Winchester preso às costas por uma corda de couro e as pistolas afiveladas ao cinturão. A imagem vai se distanciando, e tudo o que vemos é a sombra do cavaleiro sobre seu animal.
Sobe o som da orquestra melódica, com um assobio em tom agudo e solene. Começa o filme de faroeste.
Quem é fã de filmes do Velho Oeste — com seus cowboys, pistoleiros solitários, caçadores de recompensa, índios navajos, saloons, o deserto e o sol se pondo — sabe que essa abertura já inspirou inúmeras produções que marcaram gerações.
Os filmes de faroeste, também conhecidos como western ou popularmente chamados de “bang bang”, ocupam um lugar significativo na história do cinema. É um gênero que marcou o início do cinema como arte e entretenimento para o público, com o pioneiro “O Grande Roubo do Trem” (The Great Train Robbery), lançado em 1903. Com apenas nove minutos, o filme causou grande impacto na época e criou um precedente referencial para o gênero: os assaltos a bancos.
Se esse tipo de filme teve um nascimento glorioso, também viveu seu auge com obras-primas em um período especialmente prolífico — nas décadas de 1940, 1950 e início dos anos 1960 — com clássicos como:
• Rio Vermelho (Red River, 1948),
• Sangue de Heróis (Fort Apache, 1948),
• Matar ou Morrer (High Noon, 1952),
• Os Brutos Também Amam (Shane, 1953),
• Rastros de Ódio (The Searchers, 1956),
• Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, 1959) e
• O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962).
Em meados dos anos 1960, surgiu e explodiu o movimento de desmistificação do Velho Oeste com os chamados spaghetti westerns — filmes italianos que reverenciavam os grandes clássicos do gênero, mas os apresentavam de forma mais suja, brutal e, por que não dizer, épica.
O precursor desses filmes foi o mestre Sergio Leone, com a icônica Trilogia dos Dólares — os três filmes que ele realizou com um então desconhecido Clint Eastwood, que aceitou um cachê modesto, viajou até a Itália e Espanha, e filmou, em um período de dois anos, os clássicos:
• Por um Punhado de Dólares (1964),
• Por uns Dólares a Mais (1965) e
• a obra-prima Três Homens em Conflito (1966).
Futuramente, escreverei uma análise crítica desses três filmes, abordando sua importância para o cinema e o marco que representam em um gênero que, mais tarde,
entrou em decadência.
Logo em seguida, os filmes de faroeste entraram em um processo de reciclagem de clichês, que começou a saturar o público nas salas de cinema e gerou prejuízos aos estúdios que ainda insistiam em produzi-los. O final dos anos 1960 e a década de 1970 marcaram o fim de uma era — a dos cowboys e pistoleiros solitários, em que o bem enfrentava o mal em duelos ao pôr do sol.
Mas nem tudo estava perdido. Ainda foram feitos filmes que traziam lampejos de genialidade, criados por diretores e produtores que acreditavam no potencial do gênero e buscavam trazer propostas diferenciadas.
A seguir, listo três faroestes — dois mais recentes e um dos últimos grandes clássicos — que representam esses lampejos criativos. São ótimas dicas, com informações de onde você pode assisti-los:
O RETORNO DA LENDA (Old Henry, 2021) - Escrito e dirigido por Potsy Ponciroli, esse é um western intimista, com doses de suspense e violência, mas contado a partir de uma situação dramática, em um cenário único: uma velha e solitária casa nas montanhas.
O protagonista é Henry (numa performance incrível de Tim Blake Nelson), um fazendeiro viúvo que vive em constante atrito com seu filho adolescente, Wyatt (Gavin Lewis). Certo dia, Henry encontra um homem baleado e uma bolsa recheada de dinheiro. Contra a vontade, decide ajudá-lo, levando-o para sua casa e escondendo a bolsa.
Logo, um grupo de pistoleiros que se apresenta como rangers chega à propriedade, alegando que o homem é um assaltante de banco. Desconfiado, Henry mente para ganhar tempo e descobrir a verdade. Os rangers voltam mais tarde, cada vez mais suspeitos, e tem início um cerco à casa.
O filme se destaca pelo suspense crescente, sustentado pela desconfiança e pelo desenvolvimento da tensão que culmina em traições e mortes. Há uma reviravolta simples, porém espetacular, que transforma completamente a percepção do público próximo ao final.
Disponível no serviço de streaming Netflix.
MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA (The Wild Bunch, 1969)
Esse é um dos maiores clássicos do gênero e já surge dentro da proposta de desmistificação do Velho Oeste tradicional. Pode ser visto como uma resposta do diretor e roteirista Sam Peckinpah aos spaghetti westerns, principalmente no que diz respeito ao excesso de violência.
Aqui, Peckinpah — um dos primeiros a usar o recurso da câmera lenta para ressaltar a ação violenta — faz uma verdadeira declaração de amor ao faroeste clássico, ao mesmo tempo em que reescreve a trajetória dos pistoleiros e assaltantes de banco. São homens brutos, solitários e, agora, carregados de decadência e resignação pelo fim dos tempos gloriosos.
A história gira em torno de um grupo de velhos amigos e assaltantes de banco — com atuações marcantes de William Holden e Ernest Borgnine — que são vigiados e perseguidos por rangers e caçadores de recompensa. Após escaparem de um massacre durante um assalto malsucedido, eles se aliam ao exército mexicano para traficar armas em troca de dinheiro suficiente para abandonar a vida criminosa. No entanto, como era de se esperar, as pessoas com quem se envolvem não são confiáveis.
O filme é marcado por diversas sequências brutais, com massacres impactantes que pontuam os momentos-chave da trama — especialmente o final, que funciona como um testamento cinematográfico do fim de uma era no Velho Oeste.
Disponível nas plataformas de streaming MAX e Prime Video (aluguel).
OS OITO ODIADOS (The Hateful Eight, 2015)
Eu poderia ter escolhido o excelente Django Livre (2012), outro western fabuloso do cineasta Quentin Tarantino, mas considero este ainda mais marcante — justamente por ser mais original.
Com 2 horas e 48 minutos de duração, é um dos filmes mais longos do diretor. A história se passa quase inteiramente em um único local: um armazém isolado em meio a uma nevasca implacável, onde oito personagens precisam conviver durante uma noite tensa. Tarantino constrói um verdadeiro estudo de personagens, revelando gradualmente segredos, desconfianças e alianças que se formam naquele ambiente claustrofóbico.
O elenco é de peso, com Kurt Russell, Samuel L. Jackson e Jennifer Jason Leigh (que estava longe das telas há um tempo e teve a sua atuação indicada ao Oscar). Tarantino cria, dentro e fora do armazém, uma atmosfera de crescente tensão, que culmina em um final brutal, violento e catártico.
O roteiro, quase teatral, é cheio de nuances, mistério e toques de humor — marca registrada do diretor, que sabe provocar conflitos intensos mesmo nos silêncios. O filme também se destaca por ter sido o último trabalho do maestro Ennio Morricone, responsável por uma trilha sonora magistral, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Trilha Original.
Morricone, vale lembrar, é o grande nome por trás das trilhas clássicas dos spaghetti westerns, tendo colaborado com Sergio Leone na Trilogia dos Dólares.
Disponível nas plataformas de streaming Prime Video e MUBI.