"Dólares ambulantes"
Didi foi um dos traficados por outro grupo em Sihanoukville.
"Os traficantes até negociaram meu preço na minha frente", diz ele, que afirma ter custado US$ 20 mil (R$ 103 mil).
O ex-funcionário de um cibercafé de 30 anos deixou a China em janeiro de 2022 para o que acreditava ser um emprego bem pago no universo dos games online.
Em vez disso, foi traficado para um complexo de cassinos murado chamado Huang Le, em Sihanoukville, e forçado a atrair potenciais vítimas de golpes online.
A equipe da BBC estabeleceu contato com Didi enquanto ele estava preso dentro do complexo e ele passou a enviar vídeos diários sobre sua situação.
"Eles me disseram, que se eu tentar escapar, eles vão me matar", sussurra Didi em um dos vídeos gravados secretamente no banheiro de seu dormitório.
Ele tinha que trabalhar 12 horas por dia, abordando pelo menos 100 pessoas online na Europa e nos Estados Unidos todos os dias. Se não entregasse resultados, enfrentaria punições, incluindo eletrocussão e espancamento.
Existem milhares de outros rapazes e moças como Didi que foram enganados pela indústria de golpes cibernéticos. Outro ex-golpista disse à BBC que foi
sequestrado nas ruas e traficado para um dos complexos de fraude.
A extorsão de trabalhadores chineses é tão conhecida em Sihanoukville que alguns se referem a eles como "dólares ambulantes".
Até mesmo Xiaozui, que era vice-chefe de uma empresa fraudulenta, acabou por cair em desgraça com as gangues. Ele foi espancado depois de pedir um
aumento de salário.
Ele diz que acabou escapando depois de ser vendido para outra gangue, mas que seria morto se seu antigo chefe o encontrasse.
Xiaozui afirma estar arrependido: "Na verdade, odeio esta indústria. Já ouvi os gritos desesperados das vítimas. Só quero viver uma vida normal agora".
Depois de quatro meses de cativeiro, Didi nos mandou uma mensagem de despedida: "Não aguento mais... não quero machucar ninguém... tchau".
Ele ficou offline por meio dia, mas acabou ressurgindo com uma mensagem esperançosa: "Saí em segurança".
Ele escapou do complexo durante a noite, após encontrar um pequeno buraco na parede onde um dos aparelhos de ar-condicionado estava pendurado. Pulou de uma janela do terceiro andar e conseguiu pegar um táxi para fugir.
A BBC conseguiu rastrear o proprietário do complexo Huang Le no Camboja, o empresário Kuong Li.
O império de negócios de Li abrange imóveis, cassinos, hotéis e construção. Ele foi homenageado como um "Oknha", o título mais alto concedido a civis pelo rei do Camboja, e já foi fotografado ao lado de autoridades proeminentes do país em eventos públicos e privados.
Apesar da evidência esmagadora da realização de tráfico de pessoas, abuso físico e operações fraudulentas dentro do complexo de Huang Le, ninguém foi preso ou acusado de qualquer crime.
A BBC apresentou essas alegações a Kuong Li, mas ele não respondeu às tentativas de contato.
A polícia de Sihanoukville também foi questionada sobre por que nenhuma ação foi tomada contra aqueles que operam dentro do complexo de Huang Le. Também não houve respostas.
Patrick, Xiaozui e Didi conseguiram escapar, mas dezenas de milhares de golpistas continuam a operar o esquema do "abate do porco".