NOITES ALIENÍGENAS: Primeiro filme produzido no Acre entra em circuito nacional de cinema

O longa, do cineasta Sérgio de Carvalho, estreia nesta quinta-feira. O longa aborda a Amazônia sob um prisma incomum, que foge dos clichês

NOITES ALIENÍGENAS: Primeiro filme produzido no Acre entra em circuito nacional de cinema

Foto: Divulgação

"Noites alienígenas" é o primeiro filme do Acre a chegar no circuito nacional de cinemas. Em entrevista à DW, diretor conta que a ideia foi "fugir do estereótipo do bucólico e do exótico"."Desde a invasão das facções criminosas do sudeste do Brasil à Amazônia, aumentou em 183% o assassinato de crianças e jovens no estado do Acre." A frase, citada por escrito no filme Noites Alienígenas, é baseada em dados dos últimos dez anos, conforme a pesquisa Homicídios na Infância e Adolescência no Brasil, realizada pela ONG Visão Mundial.
 

Ela reflete bem o eixo central do filme, dirigido pelo cineasta Sérgio de Carvalho. Primeiro longa acreano a estrear no circuito nacional dos cinemas, em cartaz a partir desta quinta-feira (30/03), Noites alienígenas aborda a Amazônia sob um prisma incomum, que foge dos clichês.

 

“A Amazônia está precisando ser vista em seus mais diversos ângulos, em suas mais diversas camadas, do ambiental ao social”, diz Carvalho, em entrevista à DW.

 

Noites Alienígenas foi o grande vencedor do último Festival de Cinema de Gramado, ocorrido em agosto. Levou os Kikitos de melhor filme, ator, atriz coadjuvante, ator coadjuvante, além do prêmio do júri da crítica.

 

DW: Você tem o que se convencionou chamar de “lugar de fala”, já que mora no Acre. O que fez com que você se mudasse para aí?

 

Sérgio de Carvalho: Moro há 20 anos no Acre. Sou do interior de São Paulo e me mudei para cá depois que me formei em cinema, na cidade do Rio. O que me trouxe foi o cinema. Vim acompanhando uma atriz brasileira, Lucélia Santos, para a exibição de um filme que ela tinha acabo de dirigir [Timor Lorosae – O Massacre que o Mundo Não Viu, de 2001]. Quando eu cheguei aqui, fiquei muito impactado.

 

Nos cinco primeiros anos era uma imersão completa na floresta, conhecendo bem o que eu mais queria que era povos da floresta, comunidades indígenas, comunidades extrativistas. Então esse lugar de fala é bem isso. Moro em Rio Branco, mas conheço bastante a realidade da floresta e dos povos da Amazônia.

 

O filme traz um lado urbano que foge do óbvio quando pensamos na Amazônia. Isso reflete suas maiores surpresas também de quando se mudou para o Acre?

 

A princípio eu tinha um imaginário meio “do exótico”, como a maioria das pessoas tem com relação à Amazônia. O que me surpreendeu foi encontrar essa Amazônia urbana, com muitas questões que eu já conhecia das grandes cidades, principalmente do Rio de Janeiro, onde eu fiz faculdade. E a questão também da fronteira, é a realidade de um estado fronteiriço. [Rio Branco] é uma cidade que ora nega a floresta, ora celebra a floresta. Tudo isso me impactou bastante, e as mazelas de estar numa cidade fronteiriça com tráfico [de drogas], uma rota de drogas muito forte. E entender aqui a problemática da pasta de cocaína, que realmente é uma grande questão que o Acre enfrenta. E, de dez anos para cá, a chegada do crime organizado, das grandes facções do sudeste do Brasil, mudou completamente o tecido social daqui.

 

O filme traz um dado estatístico sobre o aumento da criminalidade na região, escancarando uma escalada da quantidade de assassinatos de crianças e adolescentes. De que maneira isso é perceptível no dia a dia de quem vive aí?

 

A chegada das facções criminosas aqui fez com que o Acre mudasse muito, muito rápido. As facções se entremearam nas diversas camadas da sociedade, a cidade ficou muito mais violenta. Extremamente violenta. E o que sempre me chamou a atenção era a quantidade de jovens assassinados nessas guerras entre as facções.

 

Na adaptação do roteiro [a partir do livro homônimo, de autoria do próprio Carvalho], eu trouxe esse ponto justamente porque o livro foi escrito antes da chegada brutal dessas facções. As notícias policiais são assustadoras, com jovens sendo assassinados e se matando em tão pouco tempo. Se para a classe média demorou para cair a ficha, os moradores das periferias já estavam sentindo a dor de perder filhos, vizinhos e amigos de uma maneira muito cruel.

 

Apesar da profusão de filmes nacionais fora do eixo Rio-SP, em geral filmes ambientados em outras regiões ainda trazem histórias mais relacionadas ao bucolismo. Como você vê a importância de fazer um filme com temática tão realista como o seu, ambientado fora do eixo considerado o principal do país?

 

A gente ainda tem muito o que falar da Amazônia, também do ponto de vista do bucólico. Mas uma preocupação que eu tenho e que faz parte do trabalho que eu procuro desenvolver é fugir um pouco do estereótipo da Amazônia, [da ideia] do exotismo, esse olhar sempre do exótico e do bucólico. É preciso buscar um olhar mais fresco, contemporâneo, da Amazônia e suas questões. Acho que estamos fazendo um olhar de dentro para fora, um olhar contemporâneo tanto da realidade urbana quanto da realidade da floresta e dos seus povos.

 

De que forma esse contexto de tráfico de drogas, violência e criminalidade também ameaça a Amazônia?

 

O Brasil precisa olhar muito mais para a Amazônia, não só pelas questões da floresta. A gente teve aí nos últimos quatro anos o governo [de Jair] Bolsonaro, com as piores taxas de desmatamento. Estive agora na reserva extrativista Chico Mendes [unidade de conservação com quase 1 milhão de hectares] e voltei muito triste de lá. Fica a sensação de que a floresta está indo embora, mesmo.

 

Há também a questão da identidade: filhos e netos de seringueiros, extrativistas, buscando uma narrativa do country, dos fazendeiros. Então a gente está enfrentando muitos dilemas e, nos últimos quatro anos, a floresta se fragilizou, diminuiu, além do impacto da soja, do gado e de como tudo isso está se refletindo. Nas cidades, com o êxodo rural, há muito mais pessoas que vieram da floresta, às vezes analfabetos que não vão conseguir emprego digno.

 

Toda essa questão do crime organizado se intensificou com a mudança de rotas do tráfico, tendo aqui no Acre uma das principais entradas de cocaína no país. A Amazônia está precisando ser vista em seus mais diversos ângulos, em suas mais diversas camadas, do ambiental ao social. E penso que a produção cultural da Amazônia vista de dentro para fora tem muito a contribuir sobre essas questões. 

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