DUPLA JORNADA: Cantora de Rondônia revela detalhes de vida como cuidadora de idosos

Marfiza já se apresentou em vários palcos dentro e fora do estado, mas agora precisa de cuidar de seus familiares

DUPLA JORNADA: Cantora de Rondônia revela detalhes de vida como cuidadora de idosos

Foto: Divulgação/Ygor Cristofoli

O crescimento da população idosa vem sendo observado ao redor do mundo, mas de forma mais acelerada nos países em desenvolvimento como o Brasil. Esse novo panorama traz a necessidade da criação/reformulação de programas de educação em saúde que contemplem, por exemplo, a temática de prevenção de agravos e da promoção de saúde.

 

O ideal não é apenas permitir que as pessoas alcancem a terceira idade, mas proporcionar para estes um envelhecimento saudável, bem como preservação de suas funcionalidades e autonomia.

 

Uma dessas práticas que fazem os cuidadores de idosos estarem preparados são feitos pela Prefeitura de Salvador (Bahia), por meio do “Projeto Grupo de Cuidador de Idoso – Cuide bem do idoso que você tem”, onde cuidadores de idosos orientam familiares e pessoas da comunidade interessadas, proporcionando o trabalho do conceito ampliado de saúde.

 

Dados

 

Casos em que idosos assumem o cuidado de outros idosos têm sido cada vez mais frequentes. O estudo “Cuidadores do Brasil”, realizado entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, pela Veja Saúde e o Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), entrevistou 2.047 cuidadores familiares (CF) e 487 cuidadores profissionais (CP) de todas as regiões do país. Seis em cada dez cuidadores familiares do levantamento têm mais de 50 anos, e 27% mais de 60 anos.

 

Paralelamente, a profissão de Cuidador de Idosos alcançou um crescimento de 547% em uma década. Dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério do Trabalho mostraram que entre 2007 e 2017, o número de profissionais regularmente empregados passou de 5.263 para 34.051.

 

Foto: Getty Images

 

De acordo com Pedro Henrique Santos, docente do curso de Cuidador de Idosos do Senac, é representativo o número de alunos com mais de 50 anos que procura essa capacitação.

 

“Aproximadamente, entre 15% e 20% dos alunos em cada turma têm acima de 50 anos de idade. Geralmente, são profissionais que já atuam como cuidadores ou que estão em busca de recolocação no mercado. Há também quem busca aprendizado para cuidar dos pais ou avós idosos”, afirma.

 

Pedro Henrique ressalta que as perspectivas de mercado de trabalho para Cuidador de Idosos são promissoras. “Com o crescimento significativo da população de idosos no Brasil, precisaremos cada vez de pessoas com habilidades e competências para exercer o cuidar”.

 

Nossa realidade

 

Em Rondônia, a mesma história vem fazendo parte de forma cotidiana da cantora Marfiza de França.

 

Ela explica como tudo começou: “Eu visitava meus pais regularmente, já que morava no Rio de Janeiro. Era eu quem puxava os eventos em família como Natais e aniversários. Em 2014, por ocasião das bodas de diamantes deles, meu pai foi diagnosticado com câncer. Tentei continuar me dividindo entre Rio e Rondônia, até que um dia de 2017 vim para ficar uns 90 dias e nunca mais voltei. Não foi uma escolha”.

 

Marfiza em um dos ensaios fotográficos de divulgação dos seus trabalhos artísticos - Foto: Marcelo Rodolfo

 

E segue: “Comecei vindo em temporadas, acompanhando consultas e exames, organizando a casa e monitorando por telefone. A fisioterapeuta da minha mãe por exemplo, eu contratei já faz 12 anos. Em 2012 eu adoeci, por isso fiquei em casa um tempo maior e pude perceber melhor o Alzheimer chegando, mas achávamos que fosse depressão”.

 

Não teve apenas seu pai e mãe com problemas de saúde, e com isso, ela precisou de ajuda.  

 

“Dois irmãos voltaram a viver com meus pais nesse meio tempo também. Em 2018, assumimos os cuidados do último ano de vida de meu tio Zé, de 90 anos. Um irmão acompanhava as viagens o tratamento do meu pai no Hospital do Amor e o outro apoiava em casa. Em 2019 meu pai teve uma perna amputada. Foi uma fase muito difícil, porque ambos demandavam cuidados ininterruptos, 24 horas por dia, todo santo dia”.

 

Marfiza, Belchior e além deles, à esquerda (em primeiro plano), o produtor Ricardo Queiroz (filho de Sebastião Tapajós) e Sérgio Ricardo, que estava ao piano mostrando a Bel (apelido carinhoso dado pela cantora a Belchior), a música Bandeira de Retalhos, que ela gravou anos depois; a imagem foi registrada durante um encontro na casa de um deles, no Rio de Janeiro - Foto: Arquivo Pessoal/Marfiza de França

 

Alternativa

 

Infelizmente, apesar de todo o trabalho, carinho e assistência dada por eles, seu pai não resistiu. Porém, a luta seguiu com a mãe, utilizando tratamentos experimentais com canabidiol.

 

“Em julho de 2020 meu pai contraiu Covid no hospital e contaminou toda a família. Sobrevivemos, mas meu pai veio a falecer em Janeiro de 2021. Decidi tratar a minha mãe com canabidiol. Mas era muito caro, burocrático e estigmatizado. Melhorou um pouco no último ano, mas estas experiências me levaram a estudar, me informar e me alertaram para a luta pelo acesso aos medicamentos e para a Lei de amparo ao Cuidador Familiar”, afirmou Marfiza.

 

Ela tenta conciliar a carreira nos palcos, além de cuidar de familiares que precisam de toda a atenção e carinho por serem idosos.

 

“As decisões sobre prosseguir ou renunciar sonhos, não estão em minhas mãos. Estou seguindo o plano de Deus, meu instinto como artista e minha missão como filha. Nesse meio tempo eu aprendi a dar banhos, dar comida na boca, trocar fraldas, mudar de posição na cama, fazer curativos, aplicar injeções, administrar medicamentos e a viver em constante estado de alerta. Mas nada disso nos prepara para o que é o Alzheimer. O Alzheimer nos atropela”, comentou a cantora e cuidadora.

 

Marfiza e Seu Jorge após um evento - Foto: Arquivo Pessoal/Marfiza de França

 

Apesar do glamour que cerca a carreira de cantora e a responsabilidade em cuidar de vidas frágeis, Marfiza de França não recebe nenhum tipo de ganho por isso.

 

“Não existe nenhuma remuneração, apoio, incentivo ou qualquer proteção de estado para os cuidadores familiares. Se uma equipe de saúde vier na minha casa atender a minha mãe, eles não irão me atender, mesmo que eu esteja precisando. Cerca de 95% destes cuidadores familiares são mulheres: filhas, irmãs, esposas, noras. Isso amplia minha visão sobre a causa feminista”, ressaltou ela.

 

Onde completa: “Hoje faço parte da Rede ‘Cuida de Mim’, criada pela arquiteta paulista Miriam Morata e abri uma petição pública endereçada a deputados federais, pela criação da Lei de amparo ao cuidador familiar”.

 

Futuro

 

Apesar das dificuldades em não ter a função de cuidadora de idosos reconhecida e regulamentada por lei, além da cultura ser um pouco marginalizada por alguns grupos sociais do Brasil, Marfiza contou ao Rondoniaovivo que quer seguir trilhando os dois caminhos.

 

“Cuidador familiar não é uma profissão reconhecida. Eu sou filha e dependo de uma rede de apoio para sobreviver. Eu cuido a noite toda, mas quando eu vou dormir pela manhã, uma excelente cuidadora contratada assume os cuidados com minha mãe. E sim, eu desejo continuar. É meu oxigênio. Sem a arte eu já teria pirado. Mas não mais da forma que vivia no Rio, onde realidade cultural é muito diferente daqui”.

 

Foto: Ygor Cristofoli

 

Perguntada como se sente ao realizar as tarefas cotidianas como cuidadora de idosos, a cantora é enfática:

 

“Eu sinto cansaço, desolação fé e paz! Um dia de cada vez, nessa ordem. Cansaço quando dói a coluna pela rotina de banhos, tirar e põe da cama, da cadeira, troca fraldas, limpa bumbuns. Desolação e desamparo sempre que tenho que lutar por uma cadeira de rodas que só vai chegar com 6 meses de atraso ou por um medicamento de alto custo que só virá depois de uma briga jurídica ou que nunca virá”.

 

E ainda: “Fé todas as vezes que consigo fazer um pouco da arte que eu amo. Quando componho uma canção, escrevo um texto ou um poema (até os que eu apago), canto mesmo deitada, (cansada da rotina), luto por algo que eu acredito. E é na arte que eu encontro forças para lutar pelos direitos dos meus pais, pelos direitos da cultura, que é também para mim, mas que é para todos.  Então por me sentir privilegiada por ter a arte para me curar diariamente e me fortalecer nessa caminhada, eu sinto paz!”, completou ela.

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