No simbólico mundo ancestro-cosmogônico dos seringais brasivianos do rio Mamu, a floresta pandina boliviana aloja em sua fecunda terra, uma mitológica e transcendental mãe que protege as embarcações e encanta o caboclo sonhador na estesia poética de seus embelecidos devaneios.
Durante as cheias deslumbrantes do mês de março, um batelão avançava cortando as águas do Mamu que se deparou com um imenso tronco de itaúba (Mezilaurus itauba) desfilando velozmente e tornando as suas curtas manobras ainda mais perigosas. O choque fora inevitável, e o tronco perfurou o casco da embarcação, confeccionado artesanalmente da madeira de angelim (Hymenolobium excelsum), fazendo com que o batelão naufragasse rapidamente.
No batelão estava um casal de ribeirinhos, e o seringueiro estava no intuito de chegar ao Porto Extrema e pedir ajuda à casa mais próxima para enfim alcançar o hospital regional daquele longínquo distrito do Município de Porto Velho no Estado de Rondônia para que a sua mulher pudesse dar à luz.
A família não conseguiu chegar ao seu destino desejado, pois o batelão naufragou próximo ao seringal Palmares, enquanto o casal abraçado, rapidamente desapareceu nas profundezas do rio Mamu. Desesperado, o pai conseguiu nadar até às margens daquele rio, mas não conseguiu encontrar a sua amada companheira do seringal Jerusalém onde moravam.
O seringueiro decidiu percorrer o percurso do rio, e às suas margens, corria apressadamente, atravessando a mata em busca de encontrar a sua esposa. O ribeirinho narra que durante o seu doloroso trajeto, ele ouvia constantemente uma voz que ecoava dentro da mata, dizendo: - corre que a sua mulher te espera! Ao perder as suas forças ele ajoelhou-se em pranto e esmaecido adormeceu na beira do rio Mamu.
Durante a noite ele sonhou com o velho-da-canoa dizendo: - acorda homem, o seu filho nasceu. Vai buscá-lo. Ele está chorando. Cuida que o regatão vai passar!
O beiradeiro imediatamente correu, e a cerca de 2 quilômetros conseguiu encontrar a esposa e o filho, em paz e com saúde. Angustiado o marido perguntou: - como você conseguiu chegar até aqui? E ela sorridente respondeu: - foi a mãe-d’água que me trouxe.