Nascido e criado na Amazônia, o macapaense César de Mendes, de 59 anos, conhecia bem o cupuaçu e já tinha provado cupulate, mas conta que não via muita graça naquilo. Ele ressalta, inclusive, que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu e patenteou o cupulate na década de 1980.
Especialista em engenharia de alimentos, Mendes trabalhou como consultor no ramo do cacau antes de abrir sua própria fábrica. A De Mendes faz chocolates à base de cacau nativo da Amazônia, colhido por comunidades da floresta em regiões, muitas vezes, isoladas.
Isso talvez explique a visão crítica que César tinha sobre o cupulate. Para ele, era como se faltasse uma personalidade própria a esse primo do chocolate. "Você coloca (um produto como esse) no mercado, e as pessoas tendem a comparar com o chocolate", explica. "Então, não tinha estímulo nenhum para fazer."
Uma xícara de uma bebida saborosa tomada à sombra de uma árvore nas imediações do rio Tapajós, no Pará, fez Mendes mudar de opinião. Ele conta que provou a bebida quando visitava a associação de mulheres agroextrativistas Amabela, no município de Belterra. "Era cupulate", diz. "Tomei numa xícara e gostei, como nunca tinha gostado antes."
Mendes conta que perguntou às mulheres se elas concordariam em compartilhar com ele o processo de fabricação - um conhecimento transmitido entre gerações na comunidade. Com a permissão do grupo, testou a receita em casa."Gostei muito. Pensei, 'está na hora de lançar uma barra de cupulate'."
Ele diz que o cupulate da De Mendes tem um sabor único. Tão gostoso que, depois de prová-lo, muitos clientes desistem de comprar chocolate e encomendam apenas cupulate. Mas gostoso como?
"Pra mim, é fácil porque quem nasce na Amazônia entende esse gosto", ele responde. "Mas, quando vou falar com uma pessoa de fora, tenho que dar referências. Por exemplo, quando você mastiga, sente um perfume muito característico do cupuaçu. E, no sabor, percebe o azedinho, a lembrança da fruta, da polpa da fruta."
Mas quem ficou com vontade vai ter um certo trabalho para provar. Os cupulates da De Mendes e da Amma são vendidos principalmente nos sites das marcas. Também podem ser encontrados em algumas lojas de produtos orgânicos e em supermercados independentes, mas é inegável que a distribuição ainda pode ser melhor.
O cupulate pode fazer do cupuaçu o 'novo açaí'?
Na década entre janeiro de 2011 e dezembro de 2021, as exportações de açaí pelo Estado do Pará (responsável por 94% do total exportado pelo Brasil) cresceram quase 150 vezes (14.380%), segundo dados da Associação Brasileira de Produtores Exportadores de Frutas e Derivados, Abrafrutas. Ainda segundo a entidade, a quantidade exportada subiu de 41 toneladas em 2011 para 5.937 toneladas em 2021.
Em 2020, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país produziu 1.478.168 toneladas de açaí, com rendimento à economia brasileira de R$ 4,75 bilhões. Dados do instituto para 2017 (os mais recentes disponíveis) mostram que, naquele ano, a produção de cupuaçu foi de 21.240 toneladas, com um faturamento de R$ 54,82 milhões.
Os dados são de anos diferentes, o que dificulta comparações. Além disso, os pesquisadores enfatizam que os números variam muito de ano para ano. Ainda assim, a diferença no desempenho das duas frutas é imensa.
Foto: AMMA
Para pesquisadores, o cupulate precisa vencer um desafio: encontrar sua identidade, longe do primo famoso e bem sucedido
Será que o cupulate poderia mudar o destino do cupuaçu para fazer dele mais uma estrela da Amazônia? Quase uma década após ter lançado o seu cupulate, Diego Badaró, da Amma, diz não ter dúvidas sobre a viabilidade do produto. "Já está há nove anos no mercado, já se provou."
Aliás, bem antes de Badaró e Mendes investirem no cupulate, outros já haviam identificado o potencial comercial do produto - inclusive no exterior do país, e nem sempre de forma legítima.
'O cupuaçu é nosso'
Na década de 2000, o cupuaçu esteve no centro de uma batalha judicial internacional envolvendo a empresa japonesa Asahi Foods e o governo do Brasil. Em um caso clássico de biopirataria, a empresa japonesa patenteou as marcas "Cupuaçu" e "Cupulate". O caso resultou na campanha "O cupuaçu é nosso", e as patentes foram revogadas.
Mas o sucesso do cupulate no mercado não interessa apenas a empresários. O cupuaçu é visto por um grupo de cientistas brasileiros como um produto com grande potencial de promover o desenvolvimento econômico da Amazônia para que a floresta em pé gere riquezas para o Brasil.
O caminho para isso, dizem, seria aliar os saberes da floresta (como é o caso, por exemplo, da receita de cupulate das mulheres da Amabela) a tecnologias de ponta (para permitir que os próprios produtores façam o beneficiamento da fruta, agregando valor ao produto). Finalmente dando suporte a tudo isso, políticas governamentais.
Mendes conta que foi convidado pelo climatologista Carlos Nobre, líder do grupo de cientistas, a colaborar com esse plano, batizado de Amazônia 4.0. Ele explica que foi chamado por ser um especialista em cacau. "Conheço a cadeia, conheço as comunidades, produzo. Conheço a floresta", diz. "Por isso me chamaram."
Mas o cupulate teria o mesmo potencial comercial que o chocolate? "O chocolate é um produto que tem uma cultura de consumo em massa de cem anos. É um sabor consagrado no mundo todo. Você vai contrastar (o chocolate) com um outro produto, é delicado de fazer uma projeção", responde.
"Vejo potencial. Mas depende da forma como (o cupulate) vai ser entregue para o mundo. Se for feita essa aproximação com o chocolate, vai ser muito difícil evoluir."