ARTIGO: O licenciamento ambiental para grandes obras na Amazônia

A importância dos estudos sociais no processo de licenciamento ambiental da UHE Tabajara

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Por Amon-Rá Antunes Bandeira de Melo*

 

A importância dos estudos sociais no processo de licenciamento ambiental da UHE Tabajara

 

O licenciamento ambiental de grandes empreendimentos na Amazônia, como a Usina Hidrelétrica (UHE) Tabajara, no município de Machadinho D’Oeste (RO), exige muito mais do que análises técnicas sobre impactos físicos, hídricos ou de biodiversidade. A dimensão social desses projetos — especialmente em regiões de alta complexidade sociocultural — é determinante para compreender a verdadeira extensão dos efeitos que podem ser produzidos. Nesse contexto, os estudos sociais assumem um papel central, pois permitem identificar, analisar e prever como empreendimentos de grande porte interferem em dinâmicas humanas, modos de vida e direitos coletivos, sobretudo daqueles povos historicamente vulnerabilizados, como os povos indígenas e os grupos em isolamento voluntário.

 

O projeto da UHE Tabajara prevê um reservatório de aproximadamente 97 km² sobre o rio Machado, uma área que se sobrepõe a territórios de grande relevância sociocultural e ambiental. A região de influência do empreendimento abrange terras indígenas já reconhecidas, como a Terra Indígena Tenharim Marmelos, e áreas onde há registros da presença de povos indígenas isolados, cuja existência representa não apenas um patrimônio sociocultural inestimável, mas também um desafio singular para o licenciamento. Levantamentos realizados por organizações especializadas indicam ao menos sete registros de isolados no entorno do projeto, entre eles os Piripkura, Kaidjuwa e grupos não nomeados no Igarapé Preto e Cachoeira do Remo.

 

Por outro lado, a Cachoeira Dois de Novembro possui um valor simbólico e social profundamente enraizado na memória coletiva da população de Machadinho D’Oeste e região. Muito além de sua beleza cênica e potencial turístico, ela representa um espaço de convivência comunitária e lazer, sendo tradicionalmente frequentada por famílias, estudantes e visitantes como ponto de encontro, descanso e contemplação da natureza. Seu nome remete às narrativas fundadoras do município e à ocupação inicial do território, compondo um importante marco da história local. Ao longo das décadas, a cachoeira se consolidou não apenas como um atrativo natural, mas como parte da identidade cultural da comunidade, associada à formação da cidade e ao modo de vida de seus habitantes. Por isso, sua preservação ultrapassa a dimensão ambiental e adquire também relevância social e histórica, sendo fundamental considerá-la nos estudos e decisões relacionados ao licenciamento da UHE Tabajara.

 

Sendo assim, a relevância dos estudos sociais nesse cenário está em fornecer um entendimento aprofundado das dinâmicas territoriais, culturais e históricas dessas populações, permitindo dimensionar impactos que vão muito além da área alagada. O reconhecimento da presença indígena e a caracterização dos modos de vida — que envolvem mobilidade no território, práticas tradicionais de subsistência, vínculos espirituais com a floresta e formas próprias de organização social — são fundamentais para avaliar riscos de deslocamento forçado, ruptura de relações comunitárias e até ameaça de extinção de grupos isolados. Sem esse tipo de análise, o processo de licenciamento permanece incompleto e incapaz de atender aos princípios constitucionais de proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente.

 

As decisões judiciais recentes relacionadas à UHE Tabajara reforçam essa perspectiva ao determinar a inclusão de diversas terras indígenas nos estudos de impacto ambiental, ampliando a análise para além do raio técnico inicialmente previsto. Isso ocorre porque os impactos sociais não se restringem à proximidade física do empreendimento: migração de trabalhadores, especulação fundiária, desmatamento, pressões sobre recursos naturais e conflitos agrários são exemplos de efeitos indiretos de grande relevância social que precisam ser incorporados ao licenciamento. Esses processos, quando não devidamente analisados, podem desestruturar formas de vida e comprometer a integridade física e cultural de povos que dependem do equilíbrio ecológico e territorial para sua sobrevivência.

 

Os estudos sociais também são essenciais para subsidiar medidas de proteção e mitigação. A criação e o fortalecimento de estratégias para proteção etnoambiental, por exemplo, têm sido apontados como estratégias necessárias para garantir a vigilância e o monitoramento dos grupos isolados na região. A ausência dessas ações, como evidenciam especialistas e lideranças indígenas, compromete a capacidade do Estado de assegurar direitos constitucionais e pode levar a consequências irreversíveis, incluindo a extinção de povos inteiros.

 

Além disso, a dimensão histórica dos estudos sociais traz à luz os processos de contato e ruptura vividos pelos povos indígenas da região, como os Tenharim, que desde o ciclo da borracha no início do século XX enfrentam sucessivas ondas de violência e deslocamento.
Como também as comunidades residentes nos distritos e das comunidades ribeirinhas que são herdeiras diretas dos processos que contribuíram para a formação histórico-social na Rio Machado, como os moradores do Distrito de Tabajara e do Distrito de Demarcação.

 

A experiência da UHE Tabajara demonstra que estudos sociais não devem ser tratados como etapas acessórias ou meramente burocráticas no licenciamento ambiental. Eles constituem ferramentas analíticas indispensáveis para a identificação de riscos, a construção de salvaguardas e a formulação de políticas públicas adequadas às realidades socioculturais afetadas. Ignorar essa dimensão significa reduzir o processo de licenciamento a uma avaliação tecnicista e incompleta, desconsiderando a complexidade humana e histórica dos territórios amazônicos.

 

Portanto, a importância dos estudos sociais no licenciamento da UHE Tabajara reside em sua capacidade de revelar camadas de impacto invisíveis às análises ambientais convencionais, assegurando que decisões sobre grandes obras de infraestrutura sejam tomadas com base em conhecimento amplo, respeito aos direitos coletivos e compromisso com a diversidade sociocultural da Amazônia.

 

Autor: *Amon-Rá Antunes Bandeira de Melo, Sociólogo, especialista em história da amazônia e mestre em antropologia. Contato: (69) 98424-5949, e-mail: a.bandeirasociologo@gmail.com. Rondônia - Brasil.

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