A índole humana testada em uma creche de Blumenau - Por Rodrigo Souza

 

Recente ataque a uma creche em Blumenau, no estado de Santa Catarina, no dia 5 de abril, onde morreram 4 crianças entre 3 e 7 anos e outras cinco ficaram feridas, quando um homem de 25 anos pulou o muro e sem motivos praticou os crimes se utilizando de uma machadinha, deixou o país perplexo.
 
O homem, a princípio não possuía nenhum vínculo com a creche ou seus alunos e professores, também não tem diagnóstico de doença mental e após os ataques, ciente do que fez, se apresentou voluntariamente na delegacia de polícia local, e já no presídio, reclamou que atendimento que recebeu, dizendo que viu nos olhos dos policiais que queriam bater nele se pudessem.
 
Lembramos que esse não é um caso isolado no Brasil, tampouco no mundo. No ano passado, em Santa Catarina também, na cidade de Saudade ocorreu outra tragédia, dias atrás, em São Paulo, tivemos um ataque de uma criança de 11 anos assassinando uma professora de mais de 70 anos de idade, sem contar o caso emblemático de Realengo entre tantos outros. 
 
Nesta semana aconteceu um ataque à faca em uma escola de Manaus e outra no estado de Goiás, todos perpetrados por adolescentes ou crianças.
 
Crimes assim nos faz questionar se o ser humano é mau por natureza, se é sua índole ou é o meio social em que está inserido que o faz como é.
 
São casos de bullying, negligência, abusos físicos, morais, sexuais e de drogas que ante a uma dor não suportada, um baixo nível de resiliência, por vezes, explodem em atos de fúria ou simplesmente o ser humano deixa aflorar o que tem de mais primitivo, sendo tomado pela parte reptiliana do seu cérebro (conhecido como "cérebro instintivo", que tem como característica a sobrevivência, responsável pelas sensações primárias) se deixando “comandar” pela amigdala em um frenesi de neurotransmissores, tais como a dopamina, adrenalina, serotonina e noradrenalina, fazendo agir, como se diz no senso comum, por instinto, e produz a barbárie que a sociedade acreditava ter varrido do mundo.
 
Então, o ser humano é mau?  A pergunta em si não é nova, tal questionamento já havia sido feito, entre outros, por Hannah Arendt, filósofa judaíco-alemã que fugiu da Alemanha durante a 2ª guerra e desenvolveu o conceito, “A banalidade do mal". A tese foi cunhada quando ela cobriu, como correspondente da revista norte-americana The New Yorker, o julgamento de Otto Adolf Eichmann, Tenente Coronel alemão, durante a 2ª guerra mundial, responsável pelas deportações de milhões de judeus da Europa para os campos de concentração e extermínio.
Ela ficou impactada com Eichemann, esperava ver um monstro louco, mas longe disso, viu um homem normal, lúcido que não via nada do que fizera como errado, não demonstrava nenhum remorso, não havia questionamentos de senso moral ou ético, afinal, dizia ele, estava cumprindo ordens e desta maneira não poderia ser responsabilizado pessoalmente. 
 
O caso dos nazistas não é único, os exemplos são muitos, Stalin matou milhões sob uma égide de “defender as minorias”, na China outros tantos milhões com o discurso de acabar com a fome, a escravidão foi real e o racismo ainda é, nos Bálcãs ocorreu uma limpeza étnica, e estamos falando dos anos 1990, na Europa. 
 
O conceito de banalidade do mal traz alguns pontos importantes que cabem ser analisados, foi verificado que o mal foi normalizado, se tornou um instrumento de trabalho, virou comum, sempre amparado em alguma teoria ou entendimento que se tinha como correto. Este aspecto em particular é importante porque agir sob a égide de algo palpável, dito legal, nos liga ao terreno, ao aceitável, nos dá um motivo, não somos nós, é a lei, o chefe ou a circunstância, assim, evita que eu seja responsabilizado “psicologicamente”, que se tenha uma crise moral, por exemplo, da mesma forma que os ataques às escolas, creches, atos terroristas, sempre tem um porquê, uma razão, um senso de retidão, de veracidade para o perpetrador, esse tipo de argumento serve para a banalização da razão e coerência do ser humano, assim como ficou demonstrado com Eichemann.
 
Por acreditar ter uma motivação aceitável se vê inocente, busca encobrir as suas características narcisistas, com discursos morais ou justificativas onde tenta mostrar que na verdade tem um motivo nobre, aceitável, justo ou que está buscando o melhor para o outro, mas no fim, a sua busca é por sucesso, ser visto, reconhecido, aceito, amado, tenta preencher o seu vazio existencial e isso é que no fim o leva a praticar o mal e normalizá-lo. 
 
A sua racionalidade desconhece o coletivo ou mesmo as normas éticas, tenta se amparar em regras morais distorcidas em uma vida em sociedade, justificando os meios pela finalidade, tanto hoje quanto no passado, a tal “racionalidade” não se dá a analisar os contextos nem buscar o bem-estar comum.
 
No geral se quer acreditar que a sociedade evoluiu, mas de tempos em tempos somos impactados com situações que balançam tais “certezas”. É preciso entender que moral e ética são princípios diferentes e este é um ponto muito importante a se pensar. 
A ética apresenta questões lineares que deveriam ser tidas como bases para toda a humanidade, já a moral tem haver com regras, leis, espaço geográfico e momento social e político. E dependendo do momento em que viveu, de como foi criado, que regras e características estavam presentes, isso será o norteador e definirá os seus padrões morais. Algo que foi moral em determinado momento histórico pode deixar de sê-lo ou no futuro, voltar a ser.
 
Todos esses aspectos podem ser transportados para os dias de hoje onde uma mistura de negligência familiar e social com a inexistência de regras de controle social, inoperância dos freios de causa e efeito, uma busca desesperada por pertencer a algo ou alguma coisa, precisando ser aceito em um grupo, fazer parte de algo maior e uma noção distorcida do que é importante e relevante, além de uma quase inexistência de resiliência, torna tudo fluído, efêmero e extremamente volátil.
 
Tanto o nazismo quanto os recentes ataques à creche e as escolas mostra de uma forma muito clara como as massas podem ser manipuladas, como objetivos individuais podem ser maquiados com uma justificativa plausível para se normalizar atos bárbaros, como com a motivação adequada os seres humanos podem margear as regras morais desde que consigam desumanizar o outro, e assim, psicologicamente se mantenham distantes mediante um motivo “aceitável” na concepção do agressor.
 
Não há dúvidas que o meio é um fator importante em todas essas ações, que em determinada medida a nossa sociedade está adoecida, sempre na busca do prazer imediato, do reconhecimento e do pertencimento a qualquer custo, o narcisismo exacerbado, o individualismo, o enfraquecimento dos elos familiares, a imposição de limites confundida com cerceamento, quando são os limites que nos dão a dimensão do ser, do viver em sociedade, de que para cada ação existe uma reação, ou seja, uma consequência, a falta de empatia, a inexistência de compaixão com o semelhante e a coisificação do ser humano estão transformando as pessoas em máquinas a um clique ou à uma boa desculpa de um desastre.
 
Rodrigo de Souza
Mestre em Psicologia e Processos Psicossociais
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Indo na contrapartida do que muitos acham e buscam provar, mesmo por meio de pesquisas e testes, o pai de uma das crianças mortas, em entrevista após o crime disse que perdoava o autor dos crimes, pois entendia como o mesmo foi criado e Deus não queria que ele também fosse assassinado. Trazendo à tona outro dogma muitos forte e que foi um dos pilares da nossa existência e evolução, a fé e a crença no imaterial, naquilo que não podemos ver e entender, na divindade, no ser superior.
 
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