Órgão da Polícia Civil começou a ser discutido ainda na administração Confúcio Moura e até hoje não foi criado
Foto: Site Mensagens com Amor
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Ainda no distante ano de 2017, a administração do então governador Confúcio Moura (MDB, hoje senador) começou as discussões para implementação de um núcleo especializado em Crimes Raciais e Discriminação Religiosa em Rondônia, por meio da Sesdec (Secretaria Estadual de Segurança Pública) e Polícia Civil.
Até foi feita uma oficina (workshop) em um hotel de Porto Velho, em dezembro daquele ano, com a participação do Conselho Estadual da Promoção e Igualdade Racial (Cepir), Defensoria Pública de Rondônia, da própria Sesdec, da Secretaria Estadual de Assistência Social (SEAS) e de representantes do Governo Federal.
Material de divulgação do evento realizado em 2017 para debater a futura delegacia especializada
Segundo pessoas que estiveram presentes ao evento, pouca coisa mudou em cinco anos. Na verdade, com a polarização política, a intolerância religiosa e o racismo até ficaram mais intensificados.
“Em Rondônia, 53% da população geral são de negros e pardos. Tivemos nossa formação sob a influência de vários grupos de pessoas negras, que vieram em busca do Eldorado. Eles formaram nossa cidade, como na educação, as irmãs Johnson que fundaram nossa universidade federal, os Barbadianos, afro-caribenhos, e mesmo que sejamos a maioria, enfrentamos o mesmo problema do resto do país”, resumiu Anne Cleyanne, psicóloga e ativista dos movimentos feministas e negro.
E completa: “São crimes incitados pelo racismo e intolerância religiosa por uma sociedade que vive ainda um comportamento colonialista, de embranquecimento da população. Como membra do núcleo de questões étnico-raciais, da Associação Filhas do Boto Nunca Mais, acompanhamos junto à sociedade civil de Rondônia, as frequentes demandas de racismo como ataque a mães e pais de santo e seus terreiros”.
Uma das reuniões realizadas pelo então governador Confúcio Moura (MDB) com representantes do movimento negro e religioso - Foto: Arquivo Pessoal Elsie Shockness
Sem avanços
Para Anne Cleyanne, uma delegacia especializada daria um tratamento diferente para os crimes envolvendo questões raciais e a falta de tolerância com as diversas religiões existentes em Rondônia.
“A falta de uma delegacia especializada leva a uma revitimização do usuário, que procura fazer uma ocorrência, sobre injuria racial ou racismo. Geralmente, após a comunicação do crime, temos muitos relatos que a ocorrência acaba finalizada com outro crime como difamação ou lesão corporal. Não é levada em conta nenhuma questão social, psicológica e antropológica que inclui o racismo. Temos um agravante também de negação da existência do racismo pelos agentes devido não terem conhecimento específico que inclui as demandas desse tema”.
Anne Cleyanne observa que crimes de racismo e intolerância religiosa em Rondônia não têm atendimento adequado - Júlia Rodrigues/UOL
O Rondoniaovivo fez algumas pesquisas e verificações e só há registros de apenas quatro delegacias especializadas em crimes raciais e intolerância religiosa em todo o Brasil: Ceará, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo.
Já os números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que, em 2021, foram registradas quase 20 mil denúncias de crimes raciais no Brasil. Em média, mais de 50 casos por dia.
As vítimas são crianças, jovens, adultos e idosos. Os ataques acontecem na escola, no trabalho, no comércio, na vizinhança. E além desses e outros locais, hoje é cada vez mais comum que o agressor aproveite o ambiente virtual, se escondendo no anonimato.
“Era um domingo, Dia dos Pais. Esse dia já não é muito bom para mim, porquê nunca tive a presença do meu pai. Mas minha família resolveu fazer uma festinha surpresa para me deixar bem. Quando tudo acabou eu fui olhar meu celular para ver as mensagens que eu tinha recebido. “Nega lixo, tu merece uma surra, só serve pra trabalhar, sua escrava”, diz o texto de uma denúncia.
Sem prazo
De acordo com a Sesdec, após contato do Rondoniaovivo, “não há esquecimento no Governo Marcos Rocha. Pelo contrário: o governador abraçou a causa e instituiu uma Comissão de Trabalho, via Decreto n° 26.561, de 24 de novembro de 2021, para apresentação da proposta de criação de Núcleo Especializado em Crimes Raciais e Discriminação Religiosa”.
O texto enviado para a redação segue: “a comissão se reuniu e propôs a criação de um Núcleo Especializado. As seguintes instituições fazem parte da Comissão: Sesdec, Polícia Militar, Polícia Civil, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública do Estado de Rondônia, SEAS”.
E ainda: “Sociedade Civil Organizada, Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Cepir), instituição de ensino Superior Privada, Grupo de Pesquisa Ativista Audré Lorde, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e Federação dos Cultos Afros Religiosos, Umbanda e Ameríndios do Estado de Rondônia (Fecauber)”.
Segundo o Governo do Estado, por meio da Sesdec, “houve encaminhamento da conclusão do trabalho da Comissão ao governador, que demandou à Casa Civil, Polícia Civil, sendo apresentado pelo delegado-geral de Polícia Civil, Samir Fouad Abboud, qual a necessidade para criação de uma Delegacia Especializada. Sua consolidação deve ser instituída por Lei ou Decreto”.
A secretaria ainda destaca que há dificuldades para que a delegacia se torne realidade: “O principal impasse é falta de efetivo mínimo de policiais para atuar na Especializada, além de local (sede) para instalação da Unidade Policial, servidores da área da psicologia, serviço social, dentre outras áreas especializadas”.
O órgão responsável pela segurança pública e cidadania em Rondônia aponta que seriam necessários dois delegados de Polícia, 15 agentes, cinco escrivães, um psicólogo, um assistente social, dois agentes administrativos para funcionamento com registro de ocorrência 24 horas, com custo indeterminado de instalação.
“O custo pode ser melhor considerado no momento da instalação, pois na ocasião, é possível que a secretaria aproveite algum prédio que já existe, restando o pagamento dos servidores. Compreende-se que o funcionamento requer expedientes básicos como: equipamentos de informática, impressora, viaturas e móveis, o que atualmente não é algo específico. O maior entrave para a criação da delegacia é o efetivo. No entanto, todos os detalhes só podem ser avaliados no momento da instalação”, observa a nota.
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